A FAMÍLIA LACAZ(E) no BRASIL e na FRANÇA, no Século XVIII - XIX
Nas pesquisas que visavam elucidar as motivações para a migração dos
quatro europeus que contribuíram para a formação de nossa Família, encontrei
fortes elementos na historiografia de um destes personagens que passou a
merecer uma atenção especial e fez nascer uma aura de respeito e admiração.
Nos livros batismais da cidade francesa de Cabrerets, o filho do tecelão
Charles Rouffies e Jeanne Delport foi registrado no dia 23 de junho de 1778 com
o nome de Antoine Rouffies.
Em todos os documentos pesquisados nos arquivos da Prefeitura de Cahors,
seu nome estava redigido como Antoine Rouffies dit Lacaze. Este fato também
observamos nos registros de seu avô, Antoine Rouffies, nascido em Saint Cirq
Lapopie no ano de 1708.
Sobre as diferenças de nomes e grafia o Genealogista de Cahors M.
Jacques Marquês esclarece primeiramente ser preciso saber que a ortografia de
nomes próprios foi fixada somente no fim do século XIX e a maioria das pessoas
não sabia ler e nem escrever. É por isso se encontrava o sobrenome escrito de
diversas maneiras. Em algumas paróquias do Lot havia o hábito de adicionar um
apelido ao sobrenome. Isso pode vir de uma tradição local, mas às vezes era uma
necessidade. No caso de famílias muito numerosas e para distinguir uma família
de outra, colocava-se um apelido e, com o passar do tempo, podia-se encontrar
variantes: o apelido tornava-se sobrenome ou talvez fosse usado
alternativamente.
Marceneiro de profissão, Antoine Rouffies Lacaze casou - se com a jovem
de Cahors, Jacquette Gélis, com quem teve cinco filhos: Marie Catherine,
Antoine e três meninos batizados com o nome de Jean que faleceram em tenra
idade. Todos os seus filhos foram batizados com o sobrenome LACAZE.
A França da época de nosso antepassado vivia sob a atmosfera centrada em
decisões e conquistas do Imperador Napoleão Bonaparte (1804 a 1815).
Uma sequência de batalhas vitoriosas contra as grandes potências
europeias e com a formação de amplas alianças, a França construiu uma posição
dominante na Europa Continental. E foi assim, quando as conquistas de Napoleão
aumentaram o território do Império, fez-se necessário colocar as forças do
Exército em harmonia com a população e a segurança do território nacional. Por
exigência de Sua Majestade Imperial e Real, o Senado decretou em 12 de janeiro
de 1812 a criação de vinte e dois novos Regimentos de Infantaria que receberiam
os números de 135º a 156º.
A notável máquina de recrutamento militar de Napoleão, calcada em
métodos revolucionários, aperfeiçoada por anos de adaptações e ajustes e
imposta com o uso de métodos coercitivos eficazes, operava com máximo de
eficiência entre 1811 e 1813.
A convocação de jovens franceses se fazia aos milhares e atingiam à
centenas de famílias. Muitos jovens comemoravam o recrutamento, outros
lamentavam a "sorte" e ainda haviam os entusiastas bonapartistas que
experimentavam um sentimento de frustração por não preencherem o perfil dos
conscritos, que considerava dentre tantos aspectos, a idade, o estado civil e o
número de filhos.
Em abril de 1812 na localidade de Limoges, na presença do Tabelião Real,
o nosso pentavô compareceu para formalizar a transferência de titularidade do
conscrito Pierre Jean Mabou. Em razão disto, o dito Pierre Jean Mabou, se
obrigou a pagar ao seu substituto uma soma que permitiu a Antoine Lacaze
adquirir uma casa para abrigar sua Família.
Com 34 anos, por sua conta e risco, o patriota e bonapartista Antoine
Rouffies Lacaze deixou mulher e filhos em Cahors para se incorporar ao Exército
Francês.
Apresentou-se em Paris para cumprir convocação assumida de uma
proclamação oficial e foi elevado à patente de "Fourrier de
Voitigeurs" (sub-oficial) passando a integrar o 141º Regimento de
Infantaria de Linha pertencente ao IIIº Corpo do Exercito Francês sob o comando
do lendário Marechal Ney.
Segundo o Coronel Lanrezac no seu livro "La Manoeuvre de
Lützen", editado em 1904, estas convocações faziam parte dos preparativos
preliminares iniciados em 1810 para uma futura invasão da Rússia, programada
para a primavera de 1812.
Aquartelado em Paris, nosso antepassado acompanhou os preparativos das
tropas francesas com destino à Campanha da Rússia. Este seria um dos mais
importantes e sangrentos capítulos das Guerras Napoleônicas!
O pretexto de invadir a Rússia era o de obrigar o imperador Alexandre I
a permanecer no Bloqueio Continental, determinação de Bonaparte de nenhum país
manter relações comerciais com a Inglaterra. No entanto, o real objetivo de
Napoleão era mesmo o Exército Russo, que esperava destruir em alguma batalha
importante no interior da Rússia. Nenhum de seus planos objetivava um avanço
profundo neste país.
Quase três meses depois do início da invasão ao território russo, a
vitória francesa era dada como certa. Depois de esperar um mês pela rendição
que nunca aconteceu, Napoleão deparando-se com a chegada do intenso inverno,
viu-se obrigado a ordenar que seu exausto exército deixasse Moscou.
Os russos moveram uma política de terra arrasada contra as tropas
imperiais, recuando e queimando tudo ao menor sinal de aproximação do inimigo,
vencendo a França pela fome e pelo frio o qual chegou até 30º abaixo de zero,
responsável pela morte de 500 mil soldados imperiais.
Mais de 85% dos soldados pereceram a caminho de Moscou ou na sua
catastrófica
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retirada do inverno rumo ao oeste. Durante a sua retirada, o Exército de
Napoleão sofreu um contínuo assédio de um agressivo e impiedoso Exército Russo,
vitimado pela fome e pelas investidas mortais da cavalaria ligeira dos
cossacos.
Apesar de tudo, Napoleão recuperou-se quase completamente dos terríveis
desastres da campanha russa, mesmo antes de chegar à sua base na Polônia.
Esqueceu a carnificina, recuperou o seu otimismo e se preparou psicologicamente
para o próximo capítulo. Quando chegou às Tulherias já havia planejado um novo
retorno ao combate contra os aliados na Alemanha para defender seu Grande
Império. Tranquilizando seus inquietos subordinados na capital ele exortou seu
corpo de prefeitos nas províncias para que recolhessem mais impostos e arranjassem
mais recrutas militares. Justo como ele imaginava durante a retirada da Rússia,
ele rapidamente recuperou as forças do seu exército dizimado.
A primavera de 1813 começou com a movimentação das tropas francesas,
desta feita formada por jovens e inexperientes recrutas, em direção ao centro
da Alemanha.
No dia 2 de maio de 1813 chegara o momento de Antoine Rouffies Lacaze
receber o seu batismo de fogo.
La Grande Armée enfrentaria o Exército Prusso-Russo de Wittgenstein e
Blücher, sob o comando do Imperador Napoleão Bonaparte I ao alcançar a planície
próxima das aldeias alemãs de Rahna, Kaja, Großgörschen e Kleingörschen, a 14
km de Lützen. Napoleão precisava, em curto prazo, de uma vitória decisiva que
lhe devolvesse todo o prestígio de General invencível.
O IIIº Corpo do Exército Francês, sob o comando do Marechal Ney, foi
surpreendido pelo avanço do exército aliado e sofreu muitos danos no início da
luta. Napoleão se apressou a enviar todas as unidades disponíveis em ajuda a
Ney, entre elas o VI Corpo de Marmont e o V Corpo de Lauriston desde Leipzig.
Em plena batalha, o General Drouot reúne uma grande bateria de 80
canhões e os dirige ao ataque no centro dos aliados. Os regimentos de
infantaria aliados foram destruídos em sua totalidade pela maciça artilharia
francesa e os aliados, abatidos, retiraram-se do campo de batalha.
A Batalha de Lutzen, nas planícies de Großgörschen, custou a vida de
18.000 soldados franceses!
Sobre esta conquista, Napoleão Bonaparte teria dito aos comandados:
"Soldados, vocês me alegraram! Satisfizeram minha expectativa! Com sua boa
vontade e sua bravura, suplantaram tudo. Acrescentaram um novo brilho à glória
de minhas águias; mostraram tudo de que é capaz o sangue francês. A batalha de
Lützen será posta acima das batalhas de Austerlitz, Iena, Friedland e do
Moskova."
Ferido em combate pelo inimigo, Antoine Rouffies Lacaze, permaneceu
internado por três meses no Hospital Militar da cidade alemã de Landau. As
sequelas deixadas pelos ferimentos de guerra o levaram à aposentadoria da vida
militar. De forma perene, deixou a vida militar como Herói da nação francesa!
A história registra mais duas grandes batalhas na Alemanha: Bautzen e
Leipzig. Nesta última, Napoleão foi derrotado pelas forças inimigas, preso e conduzido
ao exílio na Ilha italiana de Elba.
Quanto a Antoine Rouffies Lacaze, retornou à Cahors como militar
aposentado para o convívio com sua Família e o retorno à Marcenaria.
Com o fim do Período Napoleônico (1815), a Europa, e muito especialmente
a França, caem em profunda crise econômica. Agricultura em baixa e inflação em
alta criam um momento propício para a migração para as Américas.
A presença da Família Real portuguesa no Rio de Janeiro, carente de
ofertas de serviços prestados por mão de obra especializada, despertou à
atenção de milhares de profissionais liberais franceses.
Assim, dentro de uma atmosfera não mais beligerante, foi que o francês
nascido em Cabrerets e morador em Cahors, Antoine Rouffies Lacaze, chegou ao
Brasil no ano de 1819 para exercer a atividade de marceneiro.
Sua primeira oficina foi no Largo da Carioca. Em 1823, montou sua
segunda oficina na Rua do Ouvidor, 60.
Há registros de que tenha feito duas viagens ao Brasil. Na primeira,
chegou ao Rio de Janeiro no ano de 1819 e partiu em 1825. Na segunda, temos o
registro de sua chegada no ano de 1828.
Não dispomos da data de sua derradeira partida, mas ela aconteceu antes
de 1831, ano do casamento de seu filho Antoine Lacaze com a suíça Agatha Jeker.
A saudade da pátria o levou de volta à França!
Por procuração, foi padrinho de seu neto nascido na cidade do Rio de
Janeiro. A criança, filho de seu primogênito Antoine Lacaze foi batizada
na Igreja de São José no Rio de Janeiro no ano de 1831, com o nome de Antonio
Lacaze.
Faleceu em Cahors, na Maison Durtot, rue du Portail au Vent 40, no dia
22 de novembro de 1837.
Trabalho realizado por Luiz
Henrique Antunes Lacaz - 2012